10/9 – Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio

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Como parte das ações de conscientização sobre a campanha Setembro Amarelo e o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio (10/09), confira uma entrevista com Michelle Silva, coordenadora da Psicologia do Risoleta, sobre a assistência prestada aos pacientes e o apoio qualificado às famílias.

Como atua o serviço de Psicologia do Risoleta nos casos de tentativa de autoextermínio ou de morte por suicídio?

A equipe de Psicologia realiza diariamente duas triagens no sistema de prontuário para identificar precocemente a entrada desses pacientes e, em muitos casos, somos acionados pelas equipes. Há uma preocupação para que haja uma resposta segura de entendimento do caso e que o Hospital possa colaborar com as primeiras ações de estabilização da crise, ampliando o cuidado para impedir que o ato provoque danos maiores ao paciente durante a internação e no pós-alta imediato.

Fale um pouco sobre a influência de fatores sociais, econômicos, de gênero e ambientais relacionados com o suicídio.

Compreender questões relacionadas à desigualdade social gerada por diferenças de classe, gênero, raça e etnia, é fundamental para entendermos o suicídio no Brasil. Como exemplo, temos um estudo publicado em 2020 que mostra um alto índice de suicídio entre homens indígenas com idade entre 15 e 24 anos. Lembramos que essa é uma população historicamente oprimida e gravemente desprezada em nossa cultura. É muito frequente identificarmos entre os pacientes com perfil de autoextermínio as vítimas da pobreza extrema, do racismo, do sexismo e da homo e transfobia. Em um pronto-socorro público, podemos ver mais claramente como os códigos sociais que afirmam a insignificância de vidas definem o horizonte de muitos. A chaga da indiferença, do desprezo, do descaso e dos efeitos da “coisificação” das formas de existência têm ceifado muitas vidas.

Como apoiar as famílias que enfrentam o luto após o suicídio de um parente?

Temos que ser solidários não só apenas por um senso altruísta de bondade. O suicídio nos apresenta mais claramente como a dor do outro expõe a verdade sobre nosso próprio sofrimento. É algo que nos força a ver com verdade e muito sofrimento o que insistimos em ignorar como sociedade. O suicídio revela, em muitos casos, dispositivos sociais de crueldade (discriminação, violências, indiferença). Apesar de sabermos que o núcleo familiar pode funcionar como barreira de proteção, frequentemente, as famílias estão afetadas pelos mesmos mecanismos de adoecimento ou não tem força para resistir sozinhas a eles, garantindo proteção para os seus. E, como recurso de manutenção de interesses, e para aliviarmos nossa responsabilidade coletiva, criamos modelos explicativos que limitam o entendimento sobre o suicídio de pessoas a compreensões simplistas, dramáticas e fúteis, nas quais ele é tratado como evento individual-anormal, como evento de exceção, que tem uma base psico-biológica.  Isso faz parecer que algumas famílias são doentes e outras não, algumas pessoas são doentes e outras não. O suicídio é um problema societário, que deve preocupar a todos nós, deve ser uma preocupação coletiva, todos podemos estar susceptíveis a ele, basta que certas condições de possibilidade se apresentem em nossas vidas. Evitá-las depende de um esforço conjunto e não apenas individual. Resistir individualmente é importante, mas o desamparo da resistência psicológica individual também é fonte de adoecimento e desesperança. O processo psicoterapêutico se apoia em soluções subjetivo-coletivas, a singularidade não é, apesar de muito particular, única, um tipo de psicologia que não está em continuidade com a sociedade, com o outro, com o que vem de fora como recurso subjetivamente.

Por que o suicídio é tão carregado de estigmas? E como isso afeta o paciente, familiares e amigos?

Infelizmente, a compreensão sociocultural do Brasil sobre esse fenômeno é marcada pela visão punitiva judaico-cristã, herança da nossa história colonial. Com raras exceções, as religiões estabelecem um entendimento condenatório severo do ato, que em nada colabora para aliviar o sofrimento humano dessa natureza. Isso também ajuda a aumentar o sofrimento das famílias que perderam entes queridos nesse contexto.  Por outro lado, reconhecemos que muitas pessoas encontram na religião significados de valor à vida sem uma visão punitivista.

Como a equipe de Psicologia aborda o suicídio com as famílias dos pacientes?

Envolver a família não é simples, visto que frequentemente todos estão fragilizados. No Risoleta, a participação dos familiares é articulada entre a Psicologia e a equipe interdisciplinar em saúde. Assim, é garantida a permanência desses na unidade hospitalar durante toda internação do paciente hospitalizado após tentativa de autoextermínio. A permanência dos familiares potencializa o cuidado integral em saúde do paciente. Afinal, ao nos aproximarmos dos familiares reconhecemos os marcadores psicossociais que configuram a rede de apoio afetuosa do paciente e podendo, também, garantir o cuidado desses.  O Hospital conta com o diferencial de ter uma equipe de saúde mental preparada para esse tipo de cuidado que trabalha de forma articulada com os demais profissionais para qualificar e apoiar o cuidado em saúde mental nas diversas linhas assistenciais.

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